Vários tiros, de armas ligeiras e pesadas, junto ao Palácio do Governo da Guiné-Bissau foram ouvidos hoje em redor da zona. Militares, alguns fardados e outros a civil, colocaram um perímetro de segurança e não deixam passar civis.
Desde a hora do almoço, já foram ouvidos tiros de bazuca e rajadas de metralhadora junto ao palácio do Governo da Guiné-Bissau, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e do primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam.
Num perímetro de cerca de 500 metros à volta do edifício, os militares colocaram barreiras para impedir o acesso da população à zona, onde também não circulam carros.
Segundo testemunhas, também perto do Palácio da Justiça está uma brigada de intervenção e vários militares e elementos das forças de segurança, um sinal passível de ser interpretado como um golpe de Estado em curso.
Estes incidentes na capital guineense junto ao palácio governamental decorrem dias depois de uma remodelação do executivo, decidida pelo Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, que foi contestada inicialmente pelo partido liderado pelo primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam. Posteriormente, o líder do Governo disse que concordava com a remodelação feita.
As relações entre o chefe de Estado e do executivo têm sido marcadas nos últimos meses por um clima de tensão, agravada no final de 2021 por causa de um avião Airbus A340, que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau, onde aterrou vindo da Gâmbia, com autorização presidencial.
Entre os governantes afastados na remodelação está o ex-secretário de Estado da Ordem Pública, Alfredo Malu, que disse que a sua saída está relacionada com a sua actuação no caso do avião retido no aeroporto de Bissau.
Nas declarações aos jornalistas, o ex-secretário de Estado sublinhou que o Presidente da República considerou que foi da sua autoria a ordem de inspecção ao aparelho por parte de uma equipa de peritos norte-americanos.
O primeiro-ministro começou por dizer que o aparelho tinha entrado no país de forma ilegal e que trazia a bordo carga suspeita, mas dias depois afirmou, perante os deputados no Parlamento, que uma peritagem internacional, por si solicitada, concluiu que não se tratava disso, mas sem mais detalhes.
De golpe em golpe até ao golpe final?
Há dois anos. Fevereiro de 2020. Sissoco Embaló tomou simbolicamente posse como Presidente, demitiu o primeiro-ministro. Militares retiraram funcionários da rádio e TV públicas. Novamente, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) estava a pensar se devia pensar, para pensar se pensar em agir ou se era um pensamento que merece ser pensado…
Na altura, militares guineenses retiraram os funcionários da rádio e da televisão públicas da Guiné-Bissau e ordenaram a suspensão das emissões, depois de o primeiro-ministro do país, Aristides Gomes, ter afirmado nas redes sociais que as instituições do Estado estavam a ser invadidas por militares, num claro “acto de consumação do golpe de Estado“.
“As instituições de Estado estão a ser invadidas por militares, num claro acto de consumação do golpe de Estado com a investidura de um candidato às eleições presidenciais”, referiu Aristides Gomes na sua página oficial no Facebook.
Esta acção dos militares aconteceu depois de o autoproclamado Presidente ter demitido Aristides Gomes do cargo de primeiro-ministro e de ter nomeado Nuno Nabian para o substituir. O primeiro-ministro então indigitado, líder da Assembleia do Povo Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que fazia parte da coligação do Governo, mas que apoiou Sissoco Embaló na segunda volta das presidenciais.
Nuno Nabian era também primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional Popular e foi nessa qualidade que indigitou simbolicamente Sissoco Embaló como Presidente, numa cerimónia realizada num hotel da capital guineense, qualificada como “golpe de Estado” pelo Governo guineense.
Ao mesmo tempo, o presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá, tomou posse como Presidente interino, numa sessão no parlamento em que estiveram presentes 52 deputados.
A posse foi conferida pela deputada Dan Ialá, primeira secretária da mesa do Parlamento, invocando o n.º 2 do artigo 71 da Constituição guineense, que prevê que, havendo vacatura na chefia do Estado, o cargo é ocupado pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, segunda figura do Estado.
A situação na capital guineense era na altura, 29 de Fevereiro de 2020, calma, verificando-se apenas a presença de alguns militares junto a algumas instituições do Estado como o Palácio do Governo, o Supremo Tribunal de Justiça ou dos ministérios das Finanças, da Justiça e Pescas, estes três na mesma avenida no centro de Bissau. No Parlamento não havia presença de militares.
Umaro Sissoco Embaló, então candidato às presidenciais dado como vencedor pela Comissão Nacional de Eleições da Guiné-Bissau e que tomou simbolicamente posse como Presidente do país, demitiu o primeiro-ministro guineense, Aristides Gomes. Num decreto presidencial, divulgado à imprensa, é referido que “é exonerado o primeiro-ministro, Sr. Aristides Gomes”.
O decreto, assinado por Umaro Sissoco Embaló, referia que a demissão de Aristides Gomes se justifica, tendo em conta a sua “actuação grave e inapropriada” por convocar o corpo diplomático presente no país, induzindo-o a não comparecer na tomada de posse e a “apelar à guerra e sublevação em caso da investidura do chefe de Estado, que considera um golpe de Estado”.
O decreto referia também que a demissão do primeiro-ministro teve em conta a “crise artificial pós-eleitoral criada pelo partido PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e o seu candidato às eleições presidenciais, que põe em causa o normal funcionamento das instituições da República, consubstanciada nas declarações públicas de desacato e não reconhecimento da legitimidade e autoridade” do chefe de Estado “eleito democraticamente, por sufrágio livre, universal, secreto, considerado pelo conjunto de observadores internacionais livre, justo e transparente e confirmado quatro vezes pela Comissão Nacional de Eleições”.
Umaro Sissoco Embaló tomou simbolicamente posse numa cerimónia marcada pela ausência do Governo, partidos da maioria parlamentar e principais parceiros internacionais do país. A cerimónia terminou com a assinatura do termo de passagem de poderes entre o Presidente cessante, José Mário Vaz, e Umaro Sissoco Embaló.
O governo da Guiné-Bissau considerou o acto como um “golpe de Estado” e “uma atitude de guerra” e acusou o Presidente cessante de se autodestituir e as Forças Armadas de “cumplicidade”.
Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, apelou na altura a todos os portugueses residentes na Guiné-Bissau para restringirem “a circulação ao estritamente necessário”, depois de movimentações militares na sequência da exoneração do primeiro-ministro guineense pelo autoproclamado Presidente da República.
“O apelo é para que mantenham a tranquilidade e a calma, mas que restrinjam a circulação ao estritamente necessário, até que a situação se encontre totalmente clarificada, pedindo também que, em qualquer caso de urgência, contactem os serviços da embaixada de Portugal na Guiné-Bissau”, afirmou Augusto Santos Silva.
O chefe da diplomacia portuguesa reiterou a necessidade de evitar “qualquer confrontação e quaisquer actos de violência” na Guiné-Bissau. “Todas as questões podem ser resolvidas por meios pacíficos e muito poucas questões são resolvidas por meios violentos”, realçou o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros português.
O governante luso acrescentou que “todos os interessados” deveriam pautar “o seu comportamento pelo respeito pela lei e no princípio de comportamentos pacíficos” para resolver “litígios e conflitos”. Questionado também sobre se Portugal reconhece Umaro Sissoco Embaló como Presidente da República guineense, Santos Silva referiu que ainda não se queria pronunciar “sobre esse ponto”.
O então candidato às eleições presidenciais da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira (ex-secretário executivo da CPLP) considerou que a situação que o país atravessa “não dignifica o processo democrático” e que o povo guineense não merecia mais esta crise política.
Em declarações à Lusa por telefone, o candidato e líder do PAIGC reagia à mais recente crise política na Guiné-Bissau, com a tomada de posse simbólica do seu adversário nas eleições, Umaro Sissoco Embaló, como Presidente.
“Lamento tudo o que está a acontecer e espero que sejamos capazes de encontrar as soluções que se impõem” porque a actual situação “não dignifica o processo democrático” na Guiné-Bissau, disse.
6 de Agosto de 2015: «O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, anunciou nesse dia que ia recorrer a todos os mecanismos legais para lutar contra a “intenção deliberada” do Presidente da República, José Mário Vaz, de derrubar o Governo.
Os guineenses merecem melhores políticos e militares do que aqueles que têm? Isso merecem. Mas o que é que isso importa? Do ponto de vista da comunidade internacional em geral, da CPLP e de Portugal em particular, ainda não morreram guineenses suficientes para soar o alarme.
Há pelo menos onze anos que Francisco Fadul dizia que, face ao que considerava ser o estado em que se encontrava a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, “para que não haja recidivas, não haja retrocessos como aconteceu em Timor”.
Admitindo por mera discussão académica que a ONU ia nisso, não se correria o risco de o protectorado ser invalidado (lembram-se de Cabinda e do Tratado de Simulambuco?) por outros superiores interesses petrolíferos e geoestratégicos da região?
“Seria no mínimo por 10 anos, promovendo eleições, depois de ter instilado os hábitos de boa governação, de fiscalização, de “accountability”, fiscalização das contas públicas. Garantir o Estado de Direito, ao fim ao cabo”, explicava Francisco Fadul como que esquecendo como está a o mundo, para já não falar da CPLP e de Portugal.
Como primeira medida, Francisco Fadul defendia “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse a isenção e a exemplaridade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos”.
Se calhar, para além de ser um claro e inequívoco atestado de menoridade aos políticos e militares guineenses, a tese de Francisco Fadul era igualmente um atestado de criminosa passividade à CPLP e a Portugal.
Francisco Fadul justificava o envio de uma força militar com o “princípio do dever de intervenção e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos”.
Cai? Só se fosse neste caso e por especial deferência. É que, como África é um bom exemplo, democracia e Direitos Humanos não são coisas que preocupem a ONU.
Recorde-se que Francisco Fadul acusou então o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e Zamora Induta de terem feito “um conluio” para eliminar o Presidente “Nino” Vieira e o general Tagmé Na Waié.
E se Francisco Fadul dizia o que dizia, Kumba Ialá também afirmava que “o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-Bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo Nino Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato”.»
A democracia exportada para África tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida.
Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não uma enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for…
É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.»
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